quinta-feira, 28 de junho de 2012

Paixão e Vontade na Torcida Alheia



  Tinha uma rotina. E já tinha se acostumado a ela. Ou melhor, tinha se apegado a ela e dependia dela. Quando soube que a mulher estava grávida, seu pai rezara. Torcera. Praticamente se convencera de que seria um menino. Eis que nove meses depois: uma menina. Mas conforme ela ia crescendo, todo mundo ia notando como ela seria muito bem sucedida se fosse um menino. E foi crescendo assim, com a personalidade meio menino, adorando cerveja e papo de bar, falar alto, rir, falar palavrão... Mas o que gostava mesmo era do ritual que compartilhava com o pai. O sagrado ritual de comparecer aos jogos de futebol. Desde pequena, seu pai a levava a jogos de futebol sempre que possível. Tricolor doente, acabou fazendo com que ela nutrisse a mesma paixão pelo pó de arroz(no sentido menos feminino da palavra, é claro!). E ela tinha feto disso uma rotina. A ponto de, depois de adulta, ser ela a insistir que continuassem indo ao estádio, passou a comprar sozinha os ingressos, e enfim fazer com que aqueles momentos não se perdessem.
  Mas para aquele jogo tinha um problema. Era final do campeonato carioca, Fluminense e Botafogo, no Engenhão, e ela estava louca pra ir quando seu pai chegou com a Bomba: "vou estar viajando a trabalho..." Putz! Não ia dar, o jogo seria excepcionalmente num sábado sabe lá Deus porquê, e seu pai estaria em São Paulo. Com os ingressos na mão ela pensou: "Cara, vou perder um jogão." Estava pronta para desistir, já tinha dado tudo como caso perdido, quando o pai da cozinha falou: " Ué?! Vai sozinha!" Por um momento não acreditou no que tinha ouvido. Nunca tinha considerado essa possibilidade porque nunca tinha precisado. Mas agora, com a oportunidade bem à sua frente refletiu. Por quê não?! Era adulta e independente e sabia exatamente a hora de entrar e sair de um estádio com grandes torcidas. Resolveu. Iria ao jogo.

  Sábado de sol, fim de tarde. O estádio estaria lotado, e ela adorava isso. Era possível sentir a vibração do chão pela quantidade de pessoas, os sons, as imagens. Para ela aquilo era e sempre seria melhor que qualquer droga. Era inebriante e sempre a fazia viajar. Estava vestida com o uniforme de sempre: Shorts jeans e camiseta branca. Nunca ia com a camisa do Flusão por ser menina e ter medo de na confusão acabar se metendo em encrenca. Ao chegar no estádio percebeu o tamanho do seu problema. tinha comprado ingressos para o lado errado do estádio. Estava com lugar marcado bem no meio da torcida do botafogo. Foi quando bateu o desespero. E agora? Voltava pra casa cheia de fúria por ter sido relapsa e comprado o lugar errado, ou tentaria assistir o jogo de bico calado?! Tentou pensar no que seu pai faria... Ele assistiria o jogo. Mas ele sempre foi muito calmo e diplomático, não falava nem palavrão. Enquanto ela sempre tivera sangue quente e xingava até a ultima geração dos juízes. Decidiu que ficaria por um tempo, do lado de fora do estádio, no meio da festa botafoguense pra ver se aguentaria. Pararia no bar compraria uma cerveja e observaria. talvez conseguisse.

   Estava na rua, em frente a uma padaria, latinha na mão no meio do mar alvinegro. Crianças, jovens, mulheres, coexistindo e se divertindo juntos em unidade. Ela gostava daquilo. Não importava qual torcida, sempre tivera a maios simpatia pelo sentimento de unidade que o futebol podia trazer. Então ela viu. Viu primeiro os lábios. Parados, sérios e incrivelmente carnudos. Se demorou naqueles lábios e ao invés de busca os olhos, foi descendo... Pescoço grosso, peitos largos, camisa branca, bermuda jeans. Ele era o espelho dela. Um espelho bem mais atraente, se ela pudesse dar sua opinião. Normalmente ela não fazia isso, sempre buscava os olhos para um primeiro contato. Mas ele era demais. Ela simplesmente não conseguir não passear as vistas por ele todo. Ela era alto, tinha pelo menos 1,80, pele morena. Com ombros largos, cabelos bem curtos e postura militar ele exalava autoridade, e isso pra ela era como se fosse neon piscando. No meio dos próprios amigos ele se destacava. Não era como os outros. Não estava cantando e zuando, estava meio alheio àquilo tudo, como se estivesse pensando em outras coisas. Até que algo lhe chamara atenção. E foi quando ele sorriu, assim, meio sem jeito, colocando a mão esquerda na nuca e a direita no bolso da bermuda que ela se decidiu. Foi quando ele deu aquele sorriso de canto de boca abaixando ligeiramente a cabeça que ela se viu perdida. Ah, ela iria até a lua atrás dele, que dirá uma simples torcida rival. Entraria na torcida do botafogo e passaria os 90 minutos assistindo a ele, e que se danasse o jogo! Estava hipnotizada. Não conseguia tirar os olhos dele. Ele era a luxuria em forma de homem e ela daria um pedaço de si só para poder tocá-lo. Tinha que chegar perto dele. Fazê-lo perceber que era alvo das suas mais profundas atenções.

  Foi caminhando, na direção dele como se estivesse mesmo indo falar com ele. Sempre fazia isso, era sua principal arma de sedução. Ora, ela tinha um espelho em casa e sabia que Deus lhe havia sido bem generoso. Tinha belos cabelos castanhos, estatura média e olhos castanhos curiosos, uma combinação que já partira alguns corações. Essa tática sempre funcionava, olhar bem fundo nos olhos de um homem pode fazer a diferença. Poucas mulheres fazem isso, e era nisso que ela se garantia. Ao chegar bem perto, passou direto e o comentário dos amigos foi geral, ela podia perceber o burburinho à sua volta se ele não tivesse percebido, pelo menos seus amigos diriam...
   Entrou na padaria, comprou mais uma cerveja. Quando se virava para sair viu que ele vinha em sua direção. Fez que não era com ela, abaixou a cabeça e continuou andando, até que uma parede branca a fez parar. Olhou pra cima, era ele. Nossa aqueles lábios... pareciam ainda mais carnudos e apetitosos de perto.
Ele sorriu, e disse: " Você simplesmente não pode ter vindo a um jogo de futebol sozinha..."

  O coração dela deu um pulo. E verde como era começou a fazer o sangue grená correr forte em suas veias. O que era a voz daquele homem?! Com aquela voz ela faria o que ele quisesse quando quisesse. Pela primeira vez se via com dificuldade em formar uma frase. Com a demora na resposta ele olhou bem fundo nos olhos dela e falou: " Porque se você fosse minha mulher, eu nunca deixaria você muito tempo sozinha."

 Putz! Depois dessa ela só pode sorrir, ou melhor ela gargalhou. Daquela maneira de mulher poderosa, jogando os cabelos pra trás. Lá vinha ele com a autoridade outra vez. Se ele soubesse que tudo que vinha dizendo era música pros ouvidos dela, ele não pararia. Aliás a vontade dela era gritar que continuasse, que falasse qualquer coisa, desde que fosse baixo e grave, bem perto do ouvido dela.

  A risada dela causou o efeito esperado. Ele sorria. Ela pensou por um momento e disse: " Se eu fosse sua, talvez não estivéssemos assistindo esse jogo"

Foi a vez dele gargalhar. Adorava mulheres como ela, ela tinha aquela cara de pau sutil, tinha colhões o suficiente para olhar na cara de um homem e dizer a verdade. Fosse essa verdade boa ou não. Isso era o que a fazia mais sensual. Isso e aqueles seios cheios que mal cabiam na camiseta branca, é claro. Mas ela era diferente, sei lá. Tinha aquela cara de criança travessa que tá aprontando uma arte bem suja, mas que você não vai conseguir brigar, sabe?!

"Mas sim, estou sozinha." Ela interrompia os devaneios dele por puro capricho. Porque gostava de atenção.
Foi então que ele a pegou pelo braço e respondeu: " Não está mais."

E assim foi... ele a levou para o meio dos amigos dele, e elas a trataram como igual, como torcedora, como se ela sempre tivesse feito parte daquela galera. Ela adorou isso, apesar de não conseguir se concentrar direito com ele tão perto. Na hora de entrar no estádio ela manteve o peito colado nas costas dela, e as mãos em torna da cintura. Nessa hora ela queria dar meia volta e levar ele prum lugar bem escuro e fazer coisas inenarráveis... Ela estava se perdendo a cada vez que ele chegava mais perto. Podia sentir o poder que ele tinha sobre ela e de certa forma isso a preocupava. Nunca tinha ficado tão à mercê de ninguém. Sempre mantivera o controle. Sabia até onde ir e tá onde deixar ir. Mas com ele não. Era uma palavra dele e ela estava entregue. E nesse momento estava rezando para que ele soubesse o que estava fazendo.

  O jogo foi rolando... Primeiro intervalo 0X0 e os dois cada vez mais próximos. Ele já não era um torcedor muito fervoroso, e com ela ali não estava muito ligado nos acontecimentos em campo. Ela, preferiu ignorar os moles dos jogadores do Fluminense nas posses de bola e procurou focar nele, nos olhos, lábios peitorais... Na verdade, ela não sabia o que era pior, assistir o jogo e arriscar se entregar, ou assistir a ele e se entregar com certeza.

   À medida que o segundo tempo avançava, eles se aproximavam. A conversava ia fluindo, com a torcida vibrando em volta. E aos 40 minutos do segundo tempo, o Botafogo marcou 1X0. Ela ficou com o coração na mão enquanto as pessoas à sua volta iam à loucura. Tentando disfarçar o protesto ela olhou pra ele e sorriu. Nesse momento ele a puxou pela cintura e beijou. Nos ouvidos dela sopravam fogos de artifício que nada tinham a ver com as comemorações à volta deles. Ela tinha conseguido o que queria desde que tinha posto os olhos nos lábios dele. Ele era mais do que ela esperava, e a maneira como a beijava dizia tudo. Aquilo era só o começo. Ela podia sentir nos ossos que haveria mais, muito mais... O botafogo podia ter feito o gol, mas no fim das contas quem estava ganhando o jogo era ela... Os fogos, as "olas" eram para os dois, afinal estavam batendo um bolão, e com certeza levariam esse campeonato pra casa...


Fernanda Corôa
@fernandacoroa

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